Por Dai Varela

Fotografias por Mindelact e Bob Lima

O Festival Internacional de Teatro do Mindelo – Mindelact 2019, assinala 25 anos em novembro com uma programação de grupos nacionais e internacionais, na cidade do Mindelo, com uma extensão na cidade da Praia. O presidente da Associação Mindelact, João Branco, fala numa constante evolução através da economia dos afetos.

O Festival Mindelact comemora as Bodas de Prata. O que estes 25 anos representam em termos culturais, artísticos e sociais para Cabo Verde?

Várias coisas. O Cabo Verde teatral, digamos assim, surge e tornou-se muito mais visível no mapa-mundo graças ao Festival Mindelact. Isso é inquestionável. Em 24 anos – com a edição de 2019 serão 25 – nunca o Mindelact deixou de acontecer, o que é notável. Mais, foi crescendo de regional a nacional, de nacional a internacional e com uma programação em constante evolução. Hoje podemos dizer que temos 7 ou 8 eventos dentro do próprio Mindelact. Com espetáculos de maior porte, com produções mais intimistas, com teatro de rua, com a linguagem das performances, com o ciclo dos Contadores de Estórias, com o teatro mais experimental e por aí fora. Hoje, o volume de espetáculos do Mindelact é espantoso se tivermos em conta a pequenez geográfica e populacional do país e, mais ainda, os meios financeiros que este tem ao seu dispor. Por outro lado, como já foi dito por muita gente ao longo destes anos, o festival Mindelact tem funcionado como uma autêntica escola, porque uma das principais formas de se aprender algo em arte é vendo o trabalho dos outros, é saber o que se está a fazer um pouco por todo o mundo. E o Mindelact tem permitido isso, não só com as suas programações de excelência, mas também por trazer grandes nomes e artistas para ministrar oficinas aos nacionais que são, sem nenhuma dúvida, incríveis mais valias e fator de crescimento. Hoje o teatro cabo-verdiano está num patamar muitíssimo superior do que estava há 20 anos atrás, em termos quantitativos e qualitativos. Qual o peso do Mindelact para que essa evolução tenha acontecido? Acreditamos que tenha sido um fator fundamental desse crescimento e dessa evolução.

 

Quais são as exigências de realização de um Festival como o Mindelact?

Em primeiro lugar, muita coragem. Realizar um festival como o Mindelact em Cabo Verde é um atrevimento, por assim dizer. Por outro lado, criatividade. Para conseguir reunir as condições financeiras e logísticas de um evento como este é preciso ir bater em muitas portas, é fundamental saber negociar, convencer, seduzir, não só parceiros, empresas, mas também os artistas e as companhias. Como se consegue que artistas de renome mundial como o japonês Tadashi Endo, o checo Radim Vizvary, a cabo-verdiana Marlene Freitas ou a brasileira Vera Holtz (só para referir exemplos dos dois últimos anos) aceitem vir até Cabo Verde apresentar os seus trabalhos, de forma gratuita? É preciso muita conversa, explicar como funciona, passar este conceito da Economia dos Afetos (lançado por nós em 2014) que permite que um evento que normalmente teria um orçamento incomportável, possa custar 10 ou 20 vezes menos. Ainda, generosidade, não apenas dos artistas, mas também dos parceiros e das equipas de voluntários, a começar pelos dirigentes que nunca recebem pelo seu trabalho. Finalmente, competência, que faça com que seja possível fazer tanto com tão pouco. Como é evidente, muitas vezes pensamos que seria fantástico ter melhores condições técnicas, espaços mais apropriados, etc. Mas estas dificuldades acabam por nos tornar mais audazes e fazem com que destes obstáculos acabem por surgir soluções interessantes que tem permitido o crescimento do Mindelact, não a partir da abundância, mas da escassez.

Como é que se pode mensurar o sucesso ou ganhos do Mindelact?

É tão difícil quanto visível. Parece contraditório, mas é assim mesmo. Ainda assim, já foram defendidos e publicados vários estudos de mestrado e doutoramento que tiveram no Mindelact um dos seus principais estudos de caso e que são unânimes em reconhecer o Festival Mindelact como algo extraordinário no contexto cabo-verdiano. Gostaria que um dia alguém da área da gestão se desafiasse a fazer da sua tese de mestrado ou até doutoramento um aprofundamento do que é isto da “Economia dos Afetos”, porque é uma das bases da nossa sustentabilidade e crescimento. Mas do ponto de vista artístico é visível o crescimento da arte cénica em Cabo Verde, a todos os níveis: quantidade de grupos, qualidade das produções, visibilidade social da arte, interesse de implementação do teatro nos mais diversos domínios, etc. Diria que hoje o teatro é um bem de primeira necessidade no país.

 

Você faz parte deste percurso e já trabalhou com atores novos e os da antiga geração. Como diretor teatral, quais as principais diferenças entre o jovem ator atual e aquela juventude que iniciava no teatro há 25 anos?

As mesmas de sempre. Os mais jovens têm mais energia, mais ilusões, mais coragem e mais planos para o futuro. Por outro lado, os jovens hoje encontram condições que não havia há vinte anos. Podem ver muito teatro ao longo do ano, podem ter acesso a imensa informação de pesquisa e estudo, podem conhecer artistas e espetáculos internacionais anteriormente inacessíveis para o cidadão interessado e tem outros meios, de informação e até outros, para conseguir estudar teatro. Veja-se o caso das bolsas PROCULTURA, da União Europeia que incluem as artes cénicas e que tem muitos cabo-verdianos a concorrer. Será que a visibilidade das artes cénicas contribuiu para a inclusão dessa arte neste financiamento? Não tenho dúvidas em responder que sim.

Há uma forma, estética, temática ou linguagem de teatro tão característica que se poderá distinguir o teatro feito em Santo Antão, Mindelo, Sal, Praia ou outro local em Cabo Verde?

Há, com certeza. A arte cénica tem uma matriz comum e a partir daqui vai variando conforme os seus intervenientes. Por um lado, tem na sua natureza a coincidência no tempo e no espaço. Ou seja, só é teatro quando artista e público estão a partilhar um mesmo espaço, no momento em que a obra de arte (neste caso uma produção teatral ou uma performance) está a ser exibida. Por outro lado, todo o teatro acontece numa relação triangular entre público, ator/atriz e dramaturgia (ou narrativa). Seja em que ilha, ou em que país, isto acontece. A partir daqui o teatro torna-se espelho de um povo e essa é precisamente uma das razões porque é uma arte tão importante e especial. Podemos aferir muito da matriz identitária de um povo a partir dos seus espetáculos de teatro: a partir dos aspetos narrativos, mas também visuais, corporais, vocais (as línguas e as pronúncias), os objetos, os ritmos, as musicalidades, etc. Um espetáculo do Juventude em Marcha tem, neste sentido, muito de Santo Antão (quem questiona isso?), assim como um espetáculo do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, tem muito de S. Vicente (veja-se o último “Crónicas do Mindelo) ou um espetáculo do OTACA tem sempre impregnado a cultura de Santiago.

 

Quando se compara a produção nacional com o que estes grupos estrangeiros colocam nos palcos do Mindelact, qual a sua avaliação comparativa? 

Um dos fatores que faz com que o Festival Mindelact seja de facto um evento diferente de outros que aconteçam no mundo no domínio do teatro é que não fazemos nenhuma diferenciação, na organização da nossa programação, entre espetáculos estrangeiros e nacionais. Todos tem as mesmas condições. Quem está no Palco 1 ou no Palco 2 trabalha com os mesmos materiais, no mesmo palco, com a mesma equipa técnica e de produção. E é com muito orgulho que verificamos que tantas e tantas vezes o nosso teatro não envergonha em nada o que vem de fora, pelo contrário, até supera, em qualidade, criatividade e energia. Isso tem sido reconhecido e não é por acaso que na maioria dos anos, os primeiros espetáculos a esgotar, são os nacionais. Pode-se dizer que, neste caso, santos da casa fazem milagres.

 

E o que será preciso para que o Mindelact venha a comemorar mais 25 anos?

Que estejamos todos vivos e com saúde. E viva noj teatro crioulo!