Por Juan Manuel Pardellas

Fotografías por Juan Álvaro

Como cada primeiro sábado do mês, um grupo de minorcas cor café, de cabelo encaracolado, corre sem parar ao pé de uma bandeira de Cabo Verde, sob o olhar atento de Alda Lopes e Jonas da Silva. As paredes brancas do local comunitário em Miltons Gardens Community Hall enchem-se de bandeiras de Cabo Verde, fotografias de espetáculos anteriores, de morna, furaná e de artistas populares destas ilhas do atlântico africano. Um projetor ligado a um PC lança imagens dum jogo de futebol dos Tubarões, enquanto se ouve furaná a abrir. Três mesas compridas, dispostas em forma de um grande U, reúnem o grupo dos convidados. É uma pequena representação da comunidade cabo-verdiana em Londres, quem nasceu nalguma das dez ilhas ou em qualquer lugar da Europa e da América, mas de pais ou avós cabo-verdianos. Contam-se mais de 4.000 em todo o Reino Unido, mas pensa-se que realmente sejam muitos mais.

A própria Alda Lopes nasceu em Angola, de pais de Santiago e Brava. Como coordenadora desta casa de Cabo Verde em Londres tenta promover a cultura de seu país entre os seus, para conservar os laços com a terra de origem mas, sobretudo, para a divulgar entre outras comunidades britânicas, europeias ou mundiais. “Enquanto os nossos filhos estiverem aqui não estarão pelas ruas a fazer outras coisas”, confidencia-me num canto, longe da música e do rebuliço dos que já enchem o salão e degustam produtos locais como cachupa, biscoito de banana e cuscuz. “Aquilo [Cabo Verde] é muito mais tranquilo, as coisas vão a um ritmo mais lento, com mais alegria”. Com três filhos de 30, 19 e 13 anos, reconhece que é muito mais rápido e simples encontrar trabalho em Inglaterra, acima de tudo na hotelaria. De facto, já se sente meio cabo-verdiana meio britânica, com casa própria, trabalho e as crianças na escola.

Vestido com uma camisola e chapéu com as cores de Cabo Verde, Jonas da Silva, o presidente do grupo, é há 22 anos condutor dos populares autocarros vermelhos de dois andares. Agora até já é formador de novos chauffeurs. Nasceu no Mindelo (São Vicente) e de dois em dois anos volta à sua terra, com a mulher e os filhos de 19 e 14 anos. Diz-nos “adoro o clima e personalidade da nossa gente, humildes, amáveis, sempre com um sorriso na cara”, e tem saudades de uma cerveja Strela bem fresquinha e de peixe na grelha. Mesmo assim, também reconhece que, sendo difícil deixar a terra em que se nasceu, “é mais fácil encontrar em Londres um bom trabalho: há mais oportunidades, também para os filhos”. A sua ligação às ilhas é permanente. Deita a mão ao bolso traseiro das calças e mostra, orgulhoso, os bilhetes de avião para o Mindelo, em fevereiro. Nos seus planos de futuro conta-se, sem dúvida, “reformar-me na minha terra”.

Num canto, isolados, conversam duas amigas adolescentes. Jacil da Silva y Tiffany Fernandes têm 13 anos, desfrutam de um pequeno prato de cachupa e de umas empadas de carne enquanto conversamos. A primeira diz à segunda como as praias da Praia são bonitas. “Gosto muito do clima, há sempre sol, da praia, da comida e da cultura”, afirma, orgulhosa mas tímida. “Eu gostava de ir a São Vicente”, adita Tiffany, que não conhece a terra dos seus pais.

Numa mesa atrás do grande U do pequeno salão central encontra-se uma mulher animada e sorridente, com enorme cabelo encaracolado, preto e brilhante, e um vestido cinzento, simples mas elegante. É Sandra Carvalho. Nunca esteve em Cabo Verde, mas fala crioulo. E porquê? Aprendeu com os avós, na Lisboa de Santa Catarina. Trabalha em Londres como cozinheira num lar de idosos, tem dois filhos e está casada com um cabo-verdiano. Foi uma grande viajante, sempre nas saias de sua mãe, que a levou, sobretudo, a muitas das ilhas Canárias, como Tenerife, Lanzarote, Gran Canaria e La Palma, onde acha que terá sido a única ou uma das escassas mulheres mulatas da ilha. “Olhe que ali, nos Los Llanos de Aridane, toda a gente me conhecia como A negra”, e ri-se com gargalhadas contagiantes.

Neste pedaço de Cabo Verde em Londres há sempre música ao vivo. Hoje Filomena Lopes, admiradora de Cesária Évora, Mayra Andrade e Lura, entre outras estrelas do seu país, canta morna e coladera. Filomena esteve primeiro em Portugal, mas já está há 22 anos em Londres, com filhos de 17 e 29 anos, trabalhando na Fundação Delfina, que acolhe artistas vindos de todo o mundo. É do Mindelo e a sua família de Santo Antão. Há apenas três meses visitou a sua terra, onde garante que “as pessoas são mais muito calorosas, acolhedoras”.

Acompanha-a à guitarra, Janichell Santos, engenheiro biotécnico de 29 anos. Natural de Santo Antão, passou primeiro por Bragança (Portugal) e todos os anos dá uma escapadela à sua terra. “Conseguir um trabalho é a chave”, explica para fazer-me compreender o que o levou a deixar a sua terra. “Isso dá-te estabilidade financeira, emocional, permite-te criar uma família e ajudar os teus – e tudo isso consigo em Londres, por isso estou aqui”.

A fria noite londrina e os desertos jardins de Shakespeare Walk nem sonham com o enorme calor que solta este ínfimo universo cabo-verdiano, cheio de vida, música, sabores, símbolos e lembranças a mais de 5000 quilómetros da terra que os viu nascer. E assim acontece, desde há 4 anos, no primeiro sábado de cada mês, graças ao trabalho voluntário de Alda, Jonas e um grupo de homens e mulheres entusiastas.