Por Teresa Sofia Fortes

Em Cabo Verde, ele é o compositor que faz sucesso na voz de Lura e outras grandes intérpretes do país. Na Alemanha, e um pouco por toda a Europa, ele é o cantor que, ao lado da banda techno Pupkulies and Rebecca, desvela as belezas da pacata ilha do Maio, sua terra natal, a um público ávido de ritmos novos. Ele é Tibau Tavares, que, após dois discos e um terceiro que está na forja, não acredita na sorte, mas no trabalho árduo, associado ao sofrimento, como a fórmula perfeita para o sucesso.

“7 Músicas” é o seu mais recente trabalho discográfico. Apresenta-o para nós.

Este disco é totalmente diferente do primeiro. Porque, se o primeiro tem uma fusão muito grande entre a música dos Pupkulies and Rebecca, a banda alemã que trabalha comigo, e a minha música. Desta vez, o meu produtor propôs que fizéssemos um disco mais tradicional de música cabo-verdiana. O disco tem fusões, é claro, mas dentro da visão do que é música de Cabo Verde. Como indica o nome, o CD tem sete faixas, e foi lançado no Africa Festival, este ano, em Wuzburgo, o maior festival de música africana da Europa. Foi um lançamento feliz porque foi lançado nesse certame e está a vender bem, sobretudo na Europa.

Foi uma mudança radical da linha melódica?

O primeiro disco “Pupkulies and Rebecca play Tibau” traz música tradicional cabo-verdiana, composições minhas e techno europeu, pois os Pupkulies and Rebecca são uma banda techno. Eu interpretei a música cabo-verdiana, cantando e tocando, eles meteram a componente techno. Foi um casamento feliz que resultou num produto muito bom, com críticas muito positivas de revistas da especialidade europeias. Foi um trabalho muito bonito, fez-me feliz. Não pensei que seria tão bom.

Quando recebeu a proposta de se juntar aos Pupkulies and Rebecca, não acreditava que seria possível tal fusão?

Sempre acreditei que seria possível, mas, de facto, o resultado surpreendeu-me, foi além das minhas expectativas porque a música de Cabo Verde é como a nossa cachupa: se lhe dás peixe, ela toma, se lhe dás carne de vaca, repolho, também toma, mas é sempre cachupa. Portanto, sabia que daria resultado, mas era preciso encontrarmos o caminho certo, e, felizmente, entrosamo-nos bem. Então, meti toda a base acústica da música de Cabo Verde, tocando guitarra e cavaquinho. Até meti o som do cavaquinho numa faixa de funk, o que foi estranho, ao princípio. O resultado foi um álbum bonito. Já o “7 Músicas” é um álbum de música totalmente cabo-verdiana.

 

Podemos dizer que, se no primeiro disco foi o Tibau que se adaptou ao estilo dos Pupkulies and Rebecca, desta vez foi a banda alemã que se adaptou ao seu estilo?

Não, foi um casamento consentido, mútuo. Fomos tocando e experimentando, até encontrarmos o som que satisfazia a todos. Foi um trabalho divertido.

É conhecido em Cabo Verde sobretudo como compositor. Agora, investe na carreira de intérprete, como provam os dois discos já editados. Qual a diferença entre ser você próprio a cantar as suas composições e entregá-las a outros para cantarem?

Sempre me assumi como compositor, nunca me passara pela cabeça fazer carreira como cantor. Sempre cantei, mas apenas em tocatinas, como amador, e para me divertir e divertir meus amigos. Entretanto, surgiu a proposta dos Pupkulies and Rebecca para trabalhar com eles, com a exigência de que cantasse. Assim, tive que fazê-lo.

Portanto, gostou da experiência. Afinal, já vão no segundo disco.  

Sim, fiquei surpreendido comigo próprio. E o público alemão apreciou a minha performance e o meu casamento com a banda. Por isso, acredito que me saí bem na pele de cantor. Mas continuou a abastecer os cantores de Cabo Verde porque não me sinto à vontade a cantar todos os géneros da nossa música porque nem todos se adaptam ao meu timbre de voz. Além de mornas, dou a cantar coladeiras, mazurcas, pois sinto que ficam melhores nas vozes de outros. Acho que não devo cantar mornas, mas componho muitas mornas e as dou a outros intérpretes, que considero mais capazes para interpretá-las, pois é um estilo que respeito imenso. Ainda assim, em “7 Músicas” há uma faixa que pode ser definida como morna – “Djarmai Azul” -, mas tem um balanço que o tira do espectro tradicional da morna. Mas continuo a preferir que a morna seja tocada cabo-verdianamente, sem influências de jazz, ou qualquer outro género.

O Tibau cantor vai continuar a aparecer?

Sim, vou continuar a investir na minha carreira de intérprete, porque, pelo menos na Europa, o público tem sido muito recetivo, mas nunca deixarei de ser compositor. Uma das minhas últimas composições chama-se “Wonderful Africa”, que foi a canção de promoção do África Festival do ano passado, interpretado por cerca de 25 cantores. Foi super interessante.

Sonhou e trabalhou para o sucesso na Europa, ou foi obra do acaso?

Música é arte, mas a discografia é uma indústria. Por isso, exige marketing capaz de elevar o artista e o seu trabalho. Eu estava confiante no sucesso na Europa porque o meu produtor é europeu e já consagrado no Velho Continente. Sabia de antemão que a parceria com ele daria certo. Em contrapartida, o meu trabalho é pouco divulgado aqui em Cabo Verde, pois, sendo europeu, o meu produtor investe mais na Europa, cujo mercado conhece melhor e é, obviamente, maior e mais rico.

Isso deixa-o triste, preocupado?

Sim, gostaria de ter em Cabo Verde a mesma projeção que já tenho na Europa. Pelo menos, lá tudo está a dar certo.

Como músico/compositor, o seu sentimento é querer continuar com os Pupkulies and Rebecca?

A minha parceria com os Pupkulies and Rebecca não tem data para terminar. Não temos intenção de pôr-lhe fim. Está a correr muito bem. O primeiro disco saiu em 2013, há cinco anos, o segundo foi lançado em 2017. Não sei quando vai sair o próximo, mas certo é que já temos seis músicas gravadas. Ainda temos muita coisa para fazermos juntos.

A sua música é cabo-verdiana, mas, obviamente, está permeada de influências. Mas, como Tibau, o compositor, a define?

Sim, a minha música é uma música de fusão. Aliás, a maioria dos músicos cabo-verdianos hoje não canta música tradicional de Cabo Verde. Não considero a música de Tcheka Andrade tradicional, nem a de Mayra Andrade, são uma fusão. Quem cantou música puramente cabo-verdiana foi Cesária Évora, Bana. Tito Paris no seu primeiro disco também interpreta música tradicional de Cabo Verde, mas a seguir enveredou pela fusão, com muito jazz pelo meio.

Isso é provocado pelos próprios músicos cabo-verdianos ou por pressão do mercado internacional?

Acredito que é provocado pelos artistas cabo-verdianos, talvez para mostrar a evolução da música de Cabo Verde, que antes era tocada de modo simples, tal como é a música de Cesária Évora, que devido à grande qualidade da sua voz, única até, não precisava de grande suporte musical. Mas quem não tem a mesma qualidade de voz, procura enriquecer o disco, metendo jazz e outros géneros para enriquecer a música, porque só a voz não chega para dar qualidade.

É natural da ilha do Maio, onde vive ainda hoje. Além das suas composições que falam explicitamente da sua terra natal, que outros elementos identificam a cultura da ilha do Maio na sua música?

Santiago tem batuco, funaná, tabanka. São Vicente, Brava, Boa Vista têm morna, coladeira. Mas Maio não é uma ilha que se identifica com um estilo determinado de música, não há um género musical que possamos dizer que é puramente maense. Portanto, tenho que buscar essa identificação nas palavras. Cito a ilha do Maio de diversas formas. No meu último disco, por exemplo, há uma música que se chama “Tchoro di Maio”, que é baseada nas minhas memórias de infância. Costumava acompanhar a minha mãe quando ela ia a casa de uma família que perdera um ente querido apresentar as suas condolências. O choro dos parentes, lamentando a partida, soava-me a música. Tentei durante muito tempo escrever uma música sobre isso. Levei mais de 10 anos, queria que fosse uma música de qualidade, não algo qualquer. Acho que consegui.

Se a ilha do Maio não tem géneros musicais autóctones, qual a riqueza da música da ilha do Maio?

É a qualidade. Vejamos o caso da morna. Na era do Eugénio Tavares a morna tinha uma certa direção, na era de B. Leza tomou outra direção, com o famoso meio-tom. Nos últimos tempos, a morna tornou-se contemporânea, com um estilo de harmonização diferente que muita gente apelida de “morna de Maio”. Porque as melhores mornas dos últimos anos foram escritas e musicadas por compositores da ilha do Maio.

A mim essas mornas soam mais como baladas. Estou errada?

Sim, pode ser. É uma terceira geração da morna, e vem da ilha do Maio. Já reparei que os compositores das outras ilhas do país não fazem mornas assim.

Que “ingredientes” diferenciadores tem essa morna?

Como disse antes, é a harmonização, que é totalmente diferente. Quando a harmonização é exigente a melodia acaba por ser fabulosa, muito original. “Noite de Porto Inglês”, escrita por mim, “Cuzas di Coraçon”, de Bêtu, são dois bons exemplos desse produto que vem da ilha do Maio.

Sente que esse contributo do Maio para a música e a cultura, em geral, recebe o devido reconhecimento, ou, tal como outras riquezas da ilha, esta ainda não é valorizado a nível nacional?

Maio tem sido, infelizmente, colocado sempre num patamar inferior, inclusive na música. Se os criadores desse estilo de morna fossem originários de alguma outra ilha do país, seriam certamente valorizado.

Sente-se lesado por esta falta de reconhecimento?

Não, nunca. Wolfang Mozart, o grande compositor, morreu pobre. O nosso grande B. Leza também sofreu muito. Artista tem que sofrer. O artista que não sofre não faz um bom trabalho porque a “sabura” não te deixa fazer um bom trabalho. É do sofrimento que nasce a melhor inspiração!

Acredita, então, que o sofrimento aperfeiçoa a arte?

Sim! O sofrimento obriga-te a tirar algo genuíno de dentro de ti. Como dissemos em crioulo, “catchor oh ki sta sabi ta sai na Tchata da mata cabra” (risos)!!!!

Mas há quem busque o sucesso imediato.

Sim. Um ou outro pode ter sorte, mas a maioria leva um certo tempo para alcançar o sucesso. Porque nem sempre acertamos, outras vezes somos imaturos, arrogantes. E ainda outras vezes ninguém acredita em nós o suficiente para apostar em uma campanha de marketing. E, quando finalmente alguém acredita em ti, já estás velho, como aconteceu com a Cesária Évora.