Por Maria Pereira

Distinguido como melhor hip hop R&B 2015/16, melhor hip hop R&B 2016/17 e personalidade do ano 2017 da gala “Somos Cabo Verde: os Melhores do Ano”, Hélio Batalha é, sem dúvida, a referência do Hip Hop cabo-verdiano.

Diz querer ser um bom exemplo não só no mundo do rap mas também na sociedade. Para ele, não basta ter fama. Diz ser preciso fazer algo de concreto por Cabo Verde, plantar sementes da cultura crioula e levar mensagens de emancipação ao povo das ilhas.

Sonha fazer de tudo para que a filha cresça e viva numa sociedade mais sã, mais tolerante e mais humana; um mundo onde “o poder económico não ofusque a ética e os interesses das grandes corporações não sejam mais importantes que os do povo”.

Como descobriu a paixão pela música?

Como qualquer cabo-verdiano, a música está na minha alma.

Nasci com ela, mas foi mesmo na minha adolescência que se reforçou um desejo maior de a ouvir e apreciar. Com 15 anos já ouvia muita MPB, gostava muito de fado, ouvia Pantera, os Tubarões, Cesária Évora entre outros grandes artistas, e quase todo o rap internacional que chegava às ilhas pelas rádios e pela TV. Não posso deixar de mencionar que também apreciava muito o rap que se fazia nas ilhas.

Alguma influência?

Tive várias influências. A nível internacional destaco Eminem, 50 cent, 2 pac, Rakim, Nas, Dead rez, imortal tecnique, valete, azagaia, nach, nigga poisom, passando por shad B, karraka, pex, central side, hip hop art.

Em Cabo Verde, posso dizer que sou fruto de uma geração que ouvia de perto a música tradicional. Por isso, músicos e grupos como o Pantera, Os tubarões, Cesária Évora, Tcheca, Mayra andrade estão no meu âmago e na lista das minhas referências. Por outras palavras, posso dizer que tudo o que consumi de alguma forma me influenciou e continua a influenciar-me todos os dias.

Qual foi o teu primeiro grande momento. Como foi?

O meu primeiro grande momento aconteceu em 2007, quando com minha primeira composição, a minha primeira ida ao estúdio, fiquei em primeiro lugar num concurso radiofónico promovido pelo Ministério da Saúde. Desde então não parei.

Porquê o rap?

Porque sentia verdade, preocupações, reflexões indagações, amor, poesia nas letras dos MCs que ouvia, e apaixonei-me logo!

Posso dizer, sem hesitar, que a opção aconteceu de forma natural, uma vez que sempre fui um jovem irrequieto, preocupado com questões que dizem respeito à humanidade, ao passado, presente e futuro do ser humano. Apaixonei-me pelo rap porque senti que com este género musical podia fazer algo para mudar a sociedade. Na verdade, mudou primeiro a minha forma de ver as coisas, a possibilidade de a minha retórica afiada poder influenciar e incutir nas pessoas a esperança e a vontade de melhorarem e de se emanciparem.

Saíste de um meio humilde. As tuas músicas refletem as tuas raízes?

Certamente!

Nasci e cresci em Ponta de Água, um bairro situado na periferia e marcado por muitos problemas sociais. Assimilava toda aquela vivência desde tenra idade. Cresci num cenário onde muitos jovens enveredavam pela delinquência. Na verdade, acabei por “beber” muito no que via e presenciava e, por vezes, no que sentia como parte integrante daquela comunidade.

O importante nessa partilha é que essas influências tiveram impacto em mim, refletindo-se nas minhas composições. Acabei por levar essas preocupações à sociedade, alertando-a sobre o que se passa.

Na verdade, as zonas periféricas sofrem muito com o descaso dos políticos e com a ausência de políticas públicas que poderiam alavancar o desenvolvimento dessas comunidades. Refiro-me à delinquência juvenil, ao desemprego jovem, ao consumo de droga, ao alcoolismo, à violência baseado no género. Estes são alguns dos temas que procuro transpor para as minhas músicas com o propósito de incutir, de uma forma bastante pedagógica, reflexões que permitam tocar o cerne dessas questões, possibilitando assim um debate sério e soluções para as mesmas.

Posso dizer que a minha música é produto do meio onde estou inserido.

Qual foi momento em que começaste a sentir o êxito?

Depois de lançar 3 mixtapes Golpe de Stado I, Golpe de Stado II, Selvas de Pedras. Ai sim. Senti que a minha presença já era notória no cenário do rap crioulo feito nas ilhas. Mas, quando lancei o primeiro single do meu álbum em 2015 “O KI FOMI TXIGA” (“quando a fome chega”) aí sim! Todos sem exceção prestaram atenção à minha mensagem e à minha proposta para o rap crioulo, tanto em Cabo Verde como na diáspora. O single foi destacado melhor hip hop R&B nos CVMA 15/16 e foi um cartão de visita para o álbum “Karta de alforria”, que viria a sair a 28 de novembro de 2016.

O rap crioulo hoje é bastante diferente daquele que se fazia há 10 anos, tanto em termos das mensagens que passa como em termos de aceitação. Claro que tudo isso é fruto de um trabalho feito por todos nós MCs, DJs etc. A acrescentar a este leque, incluo o alargamento de plataformas de divulgação proporcionado pelas redes sociais.

És muito focado nas mensagens para a juventude. Porquê?

O jovem é o presente e o futuro do país e, sendo jovem, quero que os meus pares reflitam esse presente e esse futuro que é comum. A minha mensagem vai na direção de todos, sem exceção: todas as faixas etárias, todas as classes socias, isto é, todos os seres humanos.

Socialmente o que mais te preocupa enquanto rapper?

A questão da droga por ser uma problemática que carrega várias outras; a violência baseada no género, a paternidade irresponsável (…).

Confesso que a minha preocupação vai ao encontro de tudo que denigre e impossibilita o desenvolvimento e felicidade do meu povo.

Hoje já és uma referência para a juventude. Sentes isso?

Sim! Ser referência nem sempre traduz coisas boas. O que digo é que quero ser um bom exemplo não só no rap mas também na sociedade onde as referências tanto musicais como nas outras áreas estão quase inativas. Não basta ter apenas nome e fama. Temos de fazer algo de concreto por Cabo Verde.

Meu compromisso com o hip hop é de plantar sementes dessa cultura e de levar mensagens de emancipação para o meu povo.

Alguma responsabilidade social?

Muitas, como MC, como pai, como cidadão, como ser humano tento sempre em tudo que faço pensar em nós como um todo, desde não jogar lixo no chão até às temáticas mais complexas.

É fácil destacar-se no cenário da música cabo-verdiana atualmente?

O destaque é fácil, principalmente quando a música é vazia, cheia de nada e influencia negativamente a sociedade. Mas a permanência destes artistas no cenário musical não é duradoura. Este ano fiz um show a comemorar 10 anos de carreira e muitos ficaram incrédulos. Sim, já la vão 10 anos a fazer rap e nunca prostituí a minha arte para poder ter destaque. A missão é essa: ser o mais genuíno possível, o mais dinâmico, o mais apaixonado possível pela arte que nos completa.

Tens hoje alguns prêmios. Quais?

Sim, nessa trajetória musical tive o privilégio de ser reconhecido como melhor hip hop r&b 2015/16, melhor hip hop r&b 2016/17 e personalidade do ano 2017 na área musical no “Somos Cabo Verde Melhores do Ano”.

O que mudou desde então?

Varias portas que estavam fechadas começaram a abrir-se, tive o prazer de conhecer e trabalhar com vários artistas e de atuar em vários palcos, tanto aqui em Cabo Verde como no estrangeiro.

Quais os teus momentos mais marcantes (como artista)?

São muitos. Destaco os shows no Gamboa, Baia das Gatas, Areia Grande. São momentos únicos e que jamais esquecerei, da mesma forma que nunca esquecerei da atuação com a Mayra Andrade, com os Tubarões, com a Lura, Alberto Koening. São artistas que admiro muito.

Qual a tua meta enquanto artista?

Simplesmente não tenho meta. Tento mesmo lutar para que essa inspiração e esse compromisso não acabem nunca e que continue a fazer o que mais gosto que é o rap.

Tens um álbum gravado?

Lancei meu primeiro álbum de estúdio em 2016 e chama-se “Karta de Alforria”. A carta que escrevi com as minhas próprias mãos com o propósito e desejo de atingir a liberdade. Nesta, o ingrediente principal é o AMOR

O que precisas para ir mais longe?

Vida e saúde.

Qual o teu sonho?

“Sonho? Nessa vida não dá pra sonhar não. Tento viver e fazer de tudo para que minha filha cresça e viva numa sociedade mais sã, mais tolerante, mais humana, onde o poder económico não ofusque a ética; onde os interesses das grandes corporações não sejam mais importantes que os do povo”.