Afirmar o posicionamento do Norte da Baía, através da exploração gráfica, é visualmente muito sugestivo e cria um novo espaço museológico, uma nova galeria em Cabo Verde com um conceito sem intermitência, 24/7, um conceito que servirá de base a uma intervenção artística/urbanística de georreferenciamento deste local esquecido e estigmatizado da cidade. Pretende-se que esta intervenção simbólica desperte a atenção do público e gere discussão sobre a existência de “zonas negras” em São Vicente e de outras localidades, expondo a sua existência em torno da sua apresentação à escala internacional. Os criadores terão total liberdade criativa para dar resposta a este desafio, 3 continentes desafiados a criar a maior galeria a céu aberto de Cabo Verde. A utilização de estratégias sócio-artísticas, de um ponto de vista transdisciplinar, que o 1º Festival Internacional de Graffitti de Cabo Verde pretendeu implementar e experimentar pode ser o mote para o desenvolvimento sustentável de contextos territoriais e urbanos, através da utilização de dinâmicas artísticas informais, flexíveis e participativas na comunidade.
Artigo
No extremo Norte da zona leste de São Vicente está a localidade Norte da Baía, a 16km do Mindelo, a meio da nova estrada que liga Baía das Gatas ao Calhau. Com características peculiares em termos geográficos e sociais, esta comunidade precisa de estímulos e acções que promovam o seu desenvolvimento. O Norte de Baía regista muitas dificuldades relacionadas com as condições das habitações que na sua maioria não tem casa de banho ou cozinha com as mínimas condições de higiene; o acesso a ligação de água e saneamento é inexistente e, sem esperar pelo poder público, parte da própria população a disposição de combater o problema em parceria com a iniciativa privada. É neste cenário que surge o 1º festival de Grafite de Cabo Verde, uma galeria a céu aberto que não decora apenas as paredes, mas renova e dinamiza com a comunidade.
A iniciativa parte do coletivo Atelier Mar, uma ONG que ao longo dos últimos 30 anos desenvolve programas de formação e produção em pequena escala em áreas como cerâmica, artes gráficas, audiovisuais, marcenaria e pedraria, em suas oficinas. O grafite, até então quase inexistente em São Vicente, na contramão do movimento que ocorre em outros países em que o grafite cada vez mais assume status entre os designers e os artistas que entram para galerias de arte, sem contudo perder o seu valor de arte urbana criada na rua, ganha na ilha uma energia renovada que atinge os mais diversos setores da cidade. Em Cabo Verde, bem como se pode observar em outras cidades do mundo, a arte urbana pode constituir uma ferramenta definitiva para a inclusão social, para a atenuação de tensões sociais e culturais e para a promoção do diálogo entre gerações. Esse projeto da voz aos muros que protegem os corações corajosos de quem enfrenta as dificuldades sem perder o brio.
A descentralização dos radares urbanos é, por si só, um processo de transformação e inclusão. Assim, o festival cria uma galeria acessível permanentemente com intervenções numa comunidade periférica, apesar de ter acontecido de forma muito orgânica, gera impacto imediato. Para um povo que vive a morabeza e o silêncio provocado por viver em uma ilha rodeada por águas agitadas e com uma população que não excede os 100 mil habitantes, é imperativo o estabelecimento de linhas de comunicação que alcancem todo o arquipélago e além fronteiras atlânticas. Os artistas participantes são oriundos de 3 continentes, Brasil, Portugal, Espanha, Itália e Egipto, criam olhares diferentes sob a própria existência, resgatando assim a falta auto-estima da localidade, o que empodera a comunidade ao criar um diálogo agora permanente entre a comunidade local e central e um intercâmbio entre os artistas nacionais e convidados. De mais a mais, esta é uma forma de pontuar a necessidades básicas de uma população que, generosa e acolhedora, vive à margem. Neste contexto estes murais são chamamentos, são vozes que chegam ao mundo de uma forma bela e transparente.
A criação de instrumentos de partilha da tomada de decisão, além de permitir o reconhecimento da pertinência do projecto, possibilitou a participação activa da população alvo no processo criativo e de implementação da iniciativa, tendo em conta o desenvolvimento de estratégias de empoderamento e autonomia face ao combate aos problemas identificados. Neste contexto, o conceito de “graffitti” difundido pelo Festival apresenta-se como uma base facilitadora à desconstrução de estigmas ou fronteiras físicas e emocionais entre o Norte da Baía e a cidade de Mindelo.
Seguiu-se a construção das cisternas e das casas de banho em 12 habitações. Com o ânimo renovado, a vontade de melhorar a comunidade ficou mais intensa e todos os moradores agora querem e lutam para ter as suas casas renovadas afim de tornar a comunidade mais agradável de se viver. As acções serão realizadas progressivamente mas integradas neste objectivo comum, baseadas na criação de parcerias e enquadrando a arte como factor de promoção do desenvolvimento e da participação. O projecto é realizado em estreita parceria com a Cooperação Portuguesa, Associação Comunitária e com a Universidade de Cabo Verde, enquadrando também actividades de intercâmbio de jovens, no âmbito do Projecto S-FEST.
A continuidade do Festival Internacional de Graffiti associado ao desenvolvimento sócio-comunitário do Norte de Baía em São Vicente, continuará a ser democrático e motivador da promoção da arte e da cultura como expressão de cidadania. A expansão de uma galeria de todos para todos onde o capital humano é a alavanca para o sucesso de uma comunidade feliz.